[vestígio]

meu sangue
filtrado pelo mosquito
agora estampa o tecido
[echoes in the afterself]

Who am I now— a flicker or a flame?
Who was I before the mirrors broke and names forgot themselves?
These scatterings, those selves in passage— did they bear my shadow or wear my face?
And what wisdom lives in knowing too late—
when all that’s left is the bruise of becoming?
o mosquito acha
que é meu amigo

dou comida
dou abrigo

mal sabe ele
do estampido
que vem comigo
[axioma do desencanto]

sou ideia sem vontade.
o sentido,
um vício herdado.
minha ruína,
a mais lúcida forma de estar.
[jean-claude bernardet]

morreu sem apelos,
como quem entende 
que a esperança é um efeito colateral.

tomou chá de cioran,
amargo como sua lucidez.
em sua xícara nietzscheana,
a última infusão:
um brinde à doença chamada vida.
abismo em mim
o silêncio mastiga
o que resta ser?
corpo sem presença
o tempo varre as pegadas
nada permanece
[conversei com o silêncio até ele chorar]

as árvores estavam despenteadas,
o céu, esquecido num canto.
engoli uma lástima inteira
e ela não me alimentou.
eu poético
ou eu ferido
qual é invenção
e qual é ruído?
[mudança]

solidão nova
mesmo vento, outro vazio
mesmo eu, sem mim
[entre o real e o reflexo]

a consciência se curva
na repetição do instante
o tempo observa
o gesto
vago
[equinócio de setembro]

a flor invisível
pela fresta da janela
sussurra primavera

em minha clausura
cubro as paredes de hera*
[último verso]

morrer sozinho
entre palavras
que não salvam

um poema inexorável –
meu rito de extinção
porta entreaberta —
a ausência atravessa o chão
sem fazer ruído.
[pedra no rio]

a pedra
que afunda
é a mesma
que aprende
a moldar correntezas
abismo espera
sem promessa de fundo
só o salto é meu
[apolo e jacinto]

vento atravessa —
o corpo amado se dobra.
nasce uma flor.
asas inquietas —
o céu parece perto
do que não existe
[a memória]

ninguém viu cair
mas o vento ainda chora
quando passa ali
Relâmpago frio,
a estrada já se dobra — 
chove por dentro.
[sonhar é preciso]

sem teto
criei um pinterest
com o que há de mais certo
.
[à beira do depois]

o chá esfria
a cortina dança 
a tarde cala
[café]

a névoa recua
ao toque morno

sílabas se alinham
na pupila

e o corpo
quase não hesita
[admitting defeat]

partes de mim foram
arrancadas

o suco da vida
pinga em gotas 
secas

não consigo mais
morder a dor
[forma]

   nuvem se dissolve
no espelho do riacho
   canta a cicatriz
[para meus amigos]

não sumi
encolhi

dor demais
para caber no dia

mas volto
quando for poesia
[vontade de potência]

teu silêncio
curva
como vento
o cipreste

em mim
a árvore
resiste

nesse atrito
a resina
ainda
perfuma
Vazio.
A palma aberta.
Concreto liso de espera.
Toque ausente,
Frio, fundo.
Oco na matéria.
[você]

Um vulto, talvez.
A onda se desfez —
fiquei sem eco.
[pagão]

me pegaram
lendo vento
no lugar do livro

a porta se fechou
sem fazer barulho
[haiku] 
para j.

fé não grita, não —
no íntimo mais calado
Deus se deixa ser
[sintaxe de concordância: o plural no singular]

eu amos
tu, ele, ela

amar assim
é tão bom

tentens
Cega-me, Odisseu,
Eu permito!

Mas
Invoco a ira de Poseidon

Para que recebas a sina devida!

Quando chegares a Ítaca,
Será tarde para amar:

Terás dúvidas
e mortes!

Estimas-te tanto, Odisseu,
Que não tens autocontrole!

Cega-me,
Comete este erro!

Não és um deus –
O Destino controla-te;

Tu vais me cegar,
Eu o sei!
quando meu passado chegar
poderei rever as fotos guardadas com tanto zelo

quando meu passado chegar
serei feliz

poderei rever as fotos
contemplá-las

talvez sorrir
urgência em nada falar
esquecer a senha
apagar o nome na areia
mergulhar no corte profundo
eu não te amo
nem amo ter te amado
amo ter amado
tu tendo sido o amado
foi mero acaso
[ex]

Fala-me de teu silêncio,
confirma tua ausência,
desliza tua nulidade
   pelos tobogãs de meus nervos,
apaga a vela de meus santos,
aniquila de vez
   toda minha pregnância.
eu
emprestado
ao acaso
que esqueceu
de devolver
no prazo
[onde habito]
para m.

Sua visita agitou minha casa—
as paredes estão agora oblíquas,
as janelas sorriem,
as torneiras jorram brilho,
a brisa é suave
e o ruído branco coloriu-se.

Depois de você,
habito um lugar de delícias.
[à espera]

Sábado, 
em sua telúrica noite,
a semente germina.

Eu a plantei.
Eu a banhei.

Saturno.
Laugr.
Shabat.

Descansa a árvore tectônica
na semente:

ente
do mais puro devir.

Estou à espera.
[mar]

vejo o mar de longe
vem o mar de longe

seu perfume
entra em ondas
no meu apartamento

nado
com a sereia

danço
canto

venero o mar de longe
de perto de janaína
[sem eixo]

Morrer
está em meu planos.

Mas sou geminiano:
tudo o que começo, abandono.

(Quem sabe não morrerei
por puro desleixo)
[soturno]

Hoje perdi uma pessoa.
Ela era amada.

Onde a deixei?
No passado?

Hesito em procurá-la.
A busca é vã.

Toda pessoa amada perdida
se encontrada
será sem
vida.
[para carmy]

Um rapaz perdeu
o norte 
Perdeu o sul

Abriu os braços
Rodopiou
como uma bússola 
avariada

Dançou sem rumo
no centro de seu giro

Encontrou-se
no rapto

No rapto do giro
centrado

Desnorteado
[queda]

o abismo está próximo
ele vem tranquilo com alprazolam
escitalopram & pregabalina

a queda assim
parece linda
[para c.]

foge deste homem
que te escreve

ele não é coisa
rica

numa hora dança
noutra claudica
[isto é um poema?]

diga
diga mesmo
o que você acha
se eu escrever hoje 
ao contrário

EJOH

vira ontem
ou amanhã?

continua sendo 
agora
ou muda para
tudo ao mesmo tempo?

o que é o tempo:
uma imagem que vem
e vai e para
e volta?

que mistura
e transborda?
v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v
v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v
v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v
v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v
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v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v
v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v
v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v
v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v v
v  e  n  t  a  n  i  a
[significado]

meu corpo
é uma palavra
e eu a desconheço

a busca por outros corpos
é a busca por conotação

por sintaxe
por linguagem
por comunicação