[zaratustra]

.
.
Relendo Nietzsche 16 anos depois





(em azul, anotações minhas, links meus - de agora, junho/julho 2014, ou de 98)


Na contracapa inicial:

O machado do lenhador pediu à árvore
que lhe desse um cabo.
A árvore lho deu.
- Tagore, Pássaros errantes, LXXI 


Página 27
Zaratustra fala ao sol, depois de 10 anos recluso na montanha:
Que seria a tua felicidade, ó grande astro, se não tivesses aqueles que iluminas!


Página 28
Zaratustra diz: "Amo os homens" ao sábio que encontra ao descer a montanha, e este retruca e questiona tal afirmação.
Zaratustra respondeu: "Por que fui falar de amor!"


Página 30
Outrora, a alma olhava desdenhosamente o corpo...

E se o corpo não for a alma, o que será a alma?
- Walt Whitman

Whitman diz que o corpo é e inclui a alma.


Página 31
O homem é uma corda estendida entre o animal e o super-homem - uma corda sobre um abismo.

O que há de grande, no homem, é ser ponte, e não meta: o que pode amar-se, no homem, é ser uma transição e um ocaso.

Transição e ocaso: o instante, o devir.


Página 32
Amo os que não sabem viver senão no ocaso, porque estão a caminho do outro lado.

Amo aquele que prodigaliza a sua alma, não quer que lhe agradeçam e nada devolve: pois é sempre dadivoso e não quer conservar-se.

Bhagavad- Gita Como Ele É

Amo aquele cuja alma é profunda também na mágoa e pode perecer de uma pequena ocorrência pessoal: assim transpõe a ponte de bom grado.


Página 34
Eu vos digo: é preciso ter ainda caos dentro de si para poder dar à luz uma estrela dançante.


Página 41
E se, algum dia, a minha prudência me abandonar - ah, como gosta de bater asas!, - possa a minha altivez, então, voar ainda em companhia da minha loucura!


Página 43
Zaratustra fala de três etapas pelas quais o espírito deve passar:

a) Camelo (carregar o peso para se tornar forte e alegre depois)
Humilhar-se para magoar o próprio orgulho.
Fazer brilhar a própria loucura para escarnecer da própria sabedoria.
Estar enfermo e escolher surdos como amigos para que estes não ouçam o pedido de ajuda.
Amar os que nos desprezam. Estender a mão ao fantasma, quando este nos quer assustar.

Nietzsche, ao contrário dos outros filósofos, que tentam definir a verdade, questiona o valor da verdade. A verdade é o medo da morte, é a ânsia pelo poder. O camelo, espírito de suportação, parece ser este momento de questionamento.
Estender a mão ao fantasma me parece uma tentativa de voltar a entrar em contato com o desconhecido, o misterioso, o sobrenatural: o inconsciente jungiano.


Página 44
b) Leão (conquistar a liberdade)

Lutar para vencer o dragão. O dragão é "Tu deves".

Superar o cristianismo? A culpa? Repensar os próprios valores.

c) Criança (inocência e esquecimento)

Aquele que está perdido para o mundo conquista o seu mundo. Aqui está o recomeço, onde tudo é possível.


Página 45
Fala o sábio ao qual ouve Zaratustra (e com tudo concorda):

"Respeito e pudor diante do sono!"

"Não é uma arte fácil dormir: faz-se mister, para começar, passar o dia todo acordado."

"Dez vezes, durante o dia, és obrigado a vencer-te a ti mesmo; isso gera um bom cansaço e é papoula para a alma."


Página 51
O corpo é uma grande razão, uma multiplicidade com um único sentido, uma guerra e uma paz, um rebanho e um pastor.

"Eu" - dizes, e ufanas-te desta palavra.

Há mais razão no teu corpo do que na tua melhor sabedoria.

O teu ser próprio ri-se do teu eu e de teus altivos pulos.


Página 52
Há uma insconsciente inveja no vesgo olhar do vosso desprezo.


Página 56
De tudo o que se escreve, aprecio somente o que alguém escreve com seu próprio sangue. Escreve com sangue; e aprenderás que o sangue é espírito.


Página 59
Eu me transformo demasiado depressa: o meu hoje refuta o meu ontem.

Lembro do poeminha com foto que certa vez criei. A imagem é de minha sombra vista de costas, num jogo de espelhos/tempos.  Veja.


Página 63
Dizeis que a boa causa santifica até a guerra? Eu vos digo: a boa guerra santifica qualquer causa.

Aqui, a irrefutável semelhança com Krisna.


Página 67 
Dignamente sabem calar-se, contigo, a floresta e o rochedo.


Página 79
(...) tu mesmo estás à tua espreita em cavernas e florestas.

Eu sou o risco que eu deveria tomar. E tomei.
- Ar

Que sabe do amor quem não teve de desprezar, justamente, aquilo que amava!


Página 98
Néscia é a minha ventura e falará necedades.


Página 101
O querer liberta: é esta a verdadeira doutrina da vontade e liberdade.
(O contrário pode ser verdade também?)

Duas canções que sempre foram importante em minha vida.

O quereres & O que você quer.


Página 104
Perdoo-te o que me fizeste; mas, que o fizeste a ti - como poderia perdoá-lo?


Página 114
A vida terá sempre de superar a si mesma.


Página 119
Ó desejo de desejar!

Ele acorda esfomeado -
foram os sonhos.

Com a dor em riste -
foram os desejos.

Ele deve esquecer a noite
para comer o dia.

- AR

Quem sempre dá, corre o perigo de perder o pudor; quem sempre reparte, cria calos, de tanto repartir, em suas mãos e coração.


Página 124
Como cego percorri, noutro tempo, caminhos felizes.


Página 127
Onde encontrei vida, encontrei vontade de poder.
Lorde regrava Everybody wants to rule the world.

Eu sou aquilo que deve sempre superar a si mesmo.


Página 135
E a isto chamo o imaculado conhecimento de todas as coisas: que nada quero das coisas, a não ser o direito de deitar-me diante delas como um espelho de cem olhos.


Página 136
Quem não acredita em si mesmo mente sempre.


Página 143
Os maiores acontecimentos - não são as nossas horas mais barulhentas, mas as mais silenciosas.


Página 146
Mas o abismo não nos quer tragar.


Página  245
passou a mão no rosto, como quem quisesse apagá-lo


Página 252
Mas podes chamar-me como bem entendes - eu sou o que devo ser.


Página 276
A sombra fala a Zaratustra, que demonstra piedade logo depois:
     Esta procura do meu lar - ó Zaratustra, tu bem o sabes, esta procura foi a minha provação; e me consome.
     Onde está - o meu lar? Por ele pergunto e o procuro e o procurei e não o encontrei.

E Dido:
I haven't ever really found a place that I call home.


Página 285
Nem todos, como Zaratustra, são bebedores de água natos. A água tampouco convém a pessoas cansadas e alquebradas; próprio para nós é o vinho - somente ele proporciona cura repentina e súbita saúde!


Página 288
     O que posso amar no homem, ó meus irmãos, é que ele é uma transição e um ocaso. E também em vós há muita coisa que em mim suscita amor e esperança.
     Que sentísses desprezo, ó homens superiores, é o que me dá esperança. Porque os grandes desprezadores são os grandes veneradores.
     Que desesperásseis, muito há nisso de honrar. Porque não aprendestes a resignar-vos, não aprendestes as pequenas espertezas.
     É que, hoje, os pequenos homens do povinho tornam-se os senhores; pregam todos a resignação e a desambição e a cordura e a consideração pelos outros e o longo etcétera das pequenas virtudes.
     (...)
     Superai, ó homens superiores, as pequenas virtudes, as pequenas espertezas, as considerações dos grãos de areia, a azáfama das formigas, a sórdida satisfação de si, a 'felicidade do maior número'!


Página 285
Ânimo tem quem conhece o medo, mas vence o medo; quem vê o abismo, mas com altivez.


Página 290
Para esses homens de hoje, não quero ser luz, não quero chamar-me luz. Quero, a esses - cegá-los.

Eu não vim para explicar, eu vim para confundir.
- Chacrinha


Acredito que seja esta a síntese do super-homem:
Que o vosso querer não exceda as vossas capacidades.


Página 291
Gabam-se de não mentir; mas a impotência para mentir ainda está longe de ser amor à verdade.

Ter-se livrado da febre ainda está longe de ser conhecimento.


Página 293
Não sejais virtuosos acima das vossas forças!


Página 295
Zaratustra critica os que não conseguem rir, sobretudo os que não puderam rir de si mesmos.

Então, deve-se logo amaldiçoar aqueles que não podemos amar? Isto - parece-me de mau gosto.

Todo o grande amor não quer amor: quer mais do que isso.

Todas as coisas boas riem.


Página 296
O passo revela se alguém já marcha no seu caminho.
Mas quem se aproxima da sua finalidade, esse, dança.


Página 297
Mas ainda é melhor estar louco de felicidade do que de infelicidade.

Desaprendei, portanto, a agoniar-vos.



NIETZSCHE, Friedrich W. Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998
.
.